Quando a arquitetura inventa moda e inspira canções
Por Julian Cunha
A arquitetura é mais poderosa do que pretende parecer. Assim como ela, a música e a moda denunciam a forma com que o ser humano interage com o meio, suas ambições culturais e sociais. Elas traduzem o ser humano.
Não é de hoje que o trio caminha nesse entrelace. Construções, móveis e objetos de decoração são inspirados no mundo fashion e vice-versa. Acabam por transformar, inclusive, estilos musicais.
Roupas e edificações alimentam a poética do abrigo, estruturas, volumes, transparências, cheios e vazios, luz e sombra, cortes e recortes. Na alta costura, essa escala se materializa no corpo, tendo o arranjo arquitetônico como fonte de inspiração. Impossível não lembrar de Cristóbal Balenciaga, estilista espanhol considerado um fashionable architect, por sua vasta sabedoria na confecção de trajes e utilização de linhas puras.
Badalados estilistas estenderam as coleções das passarelas para dentro das residências, ao criarem tecidos para estofados, peças de design e até mobiliário. Giorgio Armani, Diesel e Fendi desenvolveram texturas para uma clientela interessada em ter no décor da casa a mesma originalidade das peças de seu closet. Seguindo esta mesma conexão, no Brasil, Glória Coelho chamou a atenção do público pelo ar futurista da coleção apresentada no SPFW Verão 09/10: vestidos compostos por tiras horizontais de larguras diferentes em cetim duplo - uma clara referência a Frank Lloyd Wright e Frank Gehry.
Na harmonia destes dois mundos, o renomado arquiteto italiano Francesco Lucchese fez um paralelo, “a moda sempre criou estruturas. Às vezes sutilmente esculpidas em tecido, mas tecnológica e inovadora como as formas dos edifícios. Quando um estilista desenvolve uma coleção, ele escolhe evidenciar aspectos do corpo, criando volumes e texturas. O arquiteto também pode apresentar objetos dessa maneira”.
A estilista brasileira Glória Coelho inspirou-se nas
faixas do Museu Solomon R. Guggenheim, de Nova York,
arquitetado por Frank Lloyd Wright (ao lado)
Foto: Márcio Madeira
Plastic dreams
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O projeto Melissa + Gaetano Pesce
adotou o conceito de customização |
Capaz de enlouquecer o público feminino, a linha de calçados de plástico Melissa é mundialmente conhecida e cobiçada. Popularizadas no Brasil em 1979 pela novela Dancin’ Days, atualmente, encanta não só crianças e teenagers, como mulheres antenadas e descoladas. Mais: tornou-se obra de arte.
Desde a década de 80 a marca convida, anualmente, grandes nomes para criar seus exemplares. A lista é composta por celebridades como Alexandre Herchcovitch, Romero Britto, os Irmãos Campana, Marcelo Sommer, Jean Paul Gaultier, Patrick Cox, Thierry Mugler, Zaha Hadid e, recentemente, o arquiteto italiano Gaetano Pesce, que idealizou o modelo lançado no Fashion Rio Verão 2011 – uma Melissa customizável.
Em 2005 a marca inaugurou a Galeria Melissa, espaço moderno onde são lançados produtos exclusivos e montadas importantes mostras de profissionais ligados a temas como design, artes plásticas, fotografia, beleza e tecnologia. A fachada da galeria muda constantemente, pois a cada temporada um artista é convidado para renová-la. Marcelo Rosenbaum, Muti Randolph, a cantora Love Foxxx, Andres Sandoval, Zaha Hadid e os irmãos Campana são alguns dos que já deixaram sua marca no espaço.
Construindo canções
Mário Quintana disse que “a música é arquitetura do tempo e a arquitetura é a música do espaço”. A semelhança dos métodos compositivos e a harmonia de ambas preservaram-se ao longo dos anos, de tal modo que jamais foram contestadas.
A afinidade entre as duas artes fez com que, no Brasil, vários músicos conhecidos cursassem faculdade de Arquitetura, entre eles: Guilherme Arantes, Herbert Vianna, Humberto Gessinger e, até mesmo, o Maestro Antônio Carlos Jobim, que após frequentar o primeiro ano de estudo, descobriu que seus castelos jamais seriam construídos de cimento e tijolos.
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Quando cursava arquitetura, a Garota Sangue
Bom Fernanda Abreu descobriu que a música
e a dança eram de fato sua vocação
Foto: Fernando Torquato |
A cantora Fernanda Abreu, que percorreu a mesma trajetória, afirma que a arquitetura contribuiu para sua formação como artista e como ser humano, ampliando sua visão e entendimento sobre o mundo. Ela acredita que, subjetivamente, música e arquitetura possuem um ponto em comum, “um espaço (casas ou cidades) reflete o homem e o mundo em que vive. É um reflexo de seu tempo. A música também. Arquitetura e música acabam por traduzir e decifrar um pouco da alma humana”.
Tendência Niemeyer
Oscar Niemeyer, o maior arquiteto brasileiro e de grande projeção internacional, também está inserido neste contexto. Suas formas originais são contempladas por estilistas que veem em seu trabalho a presença do corpo feminino. O arquiteto Carlos Albuquerque, que prepara a tese de doutorado "A Corporificação na Obra de Niemeyer" para a Universidade de Brandemburgo, na Alemanha, analisa que “as linhas das vigas da catedral de Brasília podem ser lidas como a cintura de um corpo feminino”.
A arte de Niemeyer também é referência para músicos, como a dupla George Israel e Carlinhos Brown, que compôs a canção Linhameyer para a coleção de uma famosa joalheria, com todo o design inspirado nas linhas do arquiteto.
E não para por aí. O criador de Brasília, do edifício Copan e do Conjunto Arquitetônico da Pampulha coleciona mesmo admiradores de peso. Chico Buarque, um dos mais eloquentes, também buscou amparo no curso de graduação de Arquitetura, ainda na juventude. No ano de 1997, em comemoração aos 90 anos de Niemeyer, escreveu um texto memorável para homenagear seu eterno ídolo, ressaltando como ele se faz presente em suas partituras. “Larguei a arquitetura e virei aprendiz de Tom Jobim. Quando minha música sai boa, penso que parece música do Tom Jobim. Música do Tom, na minha cabeça, é casa do Oscar”.
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